terça-feira, 5 de julho de 2011

A outra face de Solano, por Karla Jaime Morais, em O Popular




Dois episódios recentes de ampla repercussão uniram os ex-presidentes e hoje senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL) em preocupações com a história.

No primeiro, Sarney quis que o impeachment de Collor não constasse na galeria Túnel do Tempo do Senado. Um fato, disse ele, entre os "que de certo modo não deviam ter acontecido". O painel acabou voltando à galeria.

No segundo, ambos lideraram resistência a projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados que acaba com o sigilo eterno de documentos oficiais ultrassecretos, fazendo com que a renovação desse sigilo ocorra apenas uma vez, com prazo máximo fixado em 50 anos, e não mais indefinidamente, como previa a proposta original. A presidente Dilma Rousseff chegou a ceder à pressão dos aliados Sarney e Collor, mas o governo tende a manter a versão alterada pela Câmara. Ou seja, adeus ao sigilo eterno sobre fronteiras e segurança nacional. Curioso é pensar por que Sarney, sempre tão íntimo do poder desde a ditadura militar, mostra-se preocupado com fatos que remontam ao Barão de Rio Branco e à Guerra do Paraguai. "Vamos abrir feridas", afirmou. Solidariedade a figuras exponenciais que talvez não resistam a um olhar mais apurado e isento dos pesquisadores?

Pode ser o caso de Francisco Solano Lopes. Em História da Terra e do Homem no Planalto Central , Paulo Bertran (1948-2006) desfaz visão equivocada sobre o "escudeiro paraguaio", cultivada especialmente durante o regime militar. "Foi ele (Bertran) quem primeiro levantou essa revisão. Ele é muito anterior a Doratioto", atesta o jornalista Jaime Sautchuk, que prepara uma biografia de Bertran. (Francisco Doratioto é autor de Maldita Guerra , "muito acurado", segundo Jaime).

Do livro de Bertran, é ilustrativo este trecho: "A Guerra do Paraguai, na tradição oral de Goiás é conhecida como 'Guerra do Lopes', uma forma de subtrair aos paraguaios a culpa pelos horrores da guerra para imputá-la ao ditador napoleônico Francisco Solano Lopes, responsável pela não-rendição oportuna e pelo massacre de um milhão de paraguaios. O Batalhão de Voluntários Goianos - nem tão 'voluntários' assim - foi dos primeiros a seguir para Mato Grosso, morrendo quase todo na malfadada Retirada da Laguna." Em outro trecho, Bertran narra diálogo com Henrique Moreira, roceiro do Planalto Central, sobre o plebiscito de 1993.

"À época do plebiscito sobre as formas de governo, perguntamos ao seu Henrique como votaria.

- No rei não, respondeu de bate-pronto, pois seria volta à escravidão e à recoluta .

- Qual recoluta ?

- A recoluta (recruta) da Guerra do Lopes, respondeu sem pensar."

Talvez a intenção de Sarney e Collor fosse mesmo desviar atenção para um passado remoto. Mas isso acaba sendo oportunidade de desconstruir versões oficiais e conhecer melhor a realidade. Vale para a Guerra do Paraguai, como também para fatos contemporâneos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário