sexta-feira, 22 de julho de 2011

Câmeras e Cidadania

A paranoia da insegurança pública é a justificativa para uma avassaladora invasão da privacidade das pessoas no mundo inteiro, inclusive no Brasil. As câmeras espalhadas em lugares públicos vão muito além da finalidade alegada e servem para muitos outros usos, o que fere os direitos dos cidadãos.

Começa pelo começo. O regime sócio-econômico hoje predominante no mundo não convive com o pleno emprego e mantém o exército de reserva de que falava Karl Marx. Ou seja, é a massa de desempregados, que serve para regular os salários, para baixo. É a lógica capitalista.

Além disso, dentro do próprio sistema há enorme defasagem entre o avanço tecnológico, que promove a automação da produção em todos os setores, e a carga horária dos trabalhadores. Basta ver quantas pessoas são necessárias, hoje, para produzir mil automóveis. Ou para plantar, colher e carregar mil hectares de soja.

Isto, somado ao crescimento da população na maioria dos países, gera um contingente enorme de supostos desocupados, que, em boa parte, se ocupam do crime. As organizações do crime são gigantescas e contam com a proteção de polícias e do judiciário, ou seja, advogados e juízes. Mas os avulsos seguem o mesmo rumo.

O magnata vive em castelos e anda de helicóptero, meio de transporte em que São Paulo é a cidade campeã mundial. E é largamente usado no Brasil inteiro. Já o cidadão comum é forçado a amurar as casas, trancar portas e janelas, fazer mini-fortalezas para se proteger em verdadeiros presídios familiares.

A violência está sempre por perto, mesmo em cidades menores, tidas até poucos anos atrás como tranquilas. É comum vermos na mídia que a polícia pegou tal e qual com a ajuda de imagens registradas em algum lugar, mas no dia seguinte o cara está nas ruas de novo. E as câmeras continuam lá.

É certo que essas câmaras são instrumentos úteis em muitos casos, mas os limites dessa vigilância é que não são claros. A transmissão direta de sessões do legislativo e do judiciário, inclusive do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, são de grande serventia pública, com caráter até educativo.

Mas, de todo modo, essas emissoras só transmitem as sessões públicas dessas instituições. E a gente sabe que as negociatas não ocorrem nessas ocasiões. Ocorrem no gabinete ou na fazenda do prefeito, em hotéis de luxo e outros recintos onde não há olhos eletrônicos.

Se a investigação da polícia, dos tribunais (em especial os de contas), das corregedorias de órgãos de governo, do ministério público, de qualquer fiscalizador, enfim, depender dessas imagens, pobres de nós.

A proliferação de câmeras por todo lado, portanto, não está fiscalizando o crime organizado, nem os grandes contraventores. Bisbilhotam a vida do cidadão comum, em verdade. É salvaguarda de patrimônio, não da cidadania.

Em muitos lugares, até o interior de residências é filmado, sem quem os moradores saibam. A máxima “quem não deve, não teme” não vem ao caso. Pela lei, nem a polícia pode entrar numa habitação sem autorização judicial.

Este é um aspecto da questão. Mas há muitas outras variantes. Vejamos situações corriqueiras. Numa greve de trabalhadores de algum setor, por exemplo, seus líderes são identificados no ato. E punidos por isso.

Ou, então, a pessoa que não quer mostrar suas preferências religiosas, sexuais ou políticas. Ela teria direito ao sigilo, mas não tem.

Mais grave ainda é o fato de que não há controle nenhum sobre esses bancos de dados formados aleatoriamente. Nem regras para seu armazenamento. Quem fará uso dessas imagens? Por quanto tempo podem ficar nos arquivos?

Afinal, são peças que podem ser usadas para muitas finalidades, inclusive chantagens pessoais ou mesmo políticas. Ou seja, são potenciais armas de crimes.

O Ministério da Justiça está estudando o assunto. E, no Congresso, há propostas tramitando. O certo é que o governo tem instrumentos para controlar o setor. E pode partir do que é consenso em órgãos do próprio governo e de entidades de universidades e de defesa da cidadania.

A proposta é: quem quiser gravar imagens terá que ter autorização do governo, e este deve determinar as regras e fiscalizar o uso. E, é claro, o cidadão precisa ter instrumentos para reparar eventuais danos.

Ou, então, vamos colocar câmeras em todos os lugares.
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JAIME SAUTCHUK

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Futebol e gravata

Quando o técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Mano Menezes começou a aparecer nos estádios de terno e gravata, chegou a dar arrepios. Primeiro, porque essa peça da vestimenta efetivamente não combina com ambientes esportivos. Segundo, porque nos traz à (triste) memória de Wanderley Luxemburgo, o técnico engravatado que emporcalhou a imagem da Seleção e do próprio futebol brasileiro com seus trambiques.
A gravata vem caindo em desuso nos próprios ambientes onde é usada desde quando surgiu como parte da indumentária formal. Foram os mercenários croatas (os “cravates”) levados por Luis IV e o Cardeal Richelieu na década de 1630 para defender seu regime, na França, que, por causa do frio, davam um nó em seus cachecóis e despertaram a simpatia da realeza francesa. Virou moda com o nome de cravat e ficou.
Em países tropicais nem se justifica o uso desse adereço. Mas, por influência do colonialismo, a burguesia tupiniquim aderiu ao hábito e a moda foi ficando. Muitas vezes, por imposição.
Eu mesmo, quando vou ao Congresso Nacional, em Brasília, levo uma no bolso, por precaução. É que, em horas de sessão da Câmara ou do Senado, há lugares em que o acesso depende da gravata. Uma bobagem que, pelas previsões, está com os dias contados, mas que ainda vigora.
Muitos chefes de estado ou de governos ocidentais têm abolido o uso da maldita gravata em muitas ocasiões. Até mesmo em alguns momentos onde, pela tradição, seu uso seria justificável. Inclusive liderança conservadoras, como George Bush, por exemplo. Mas, são muitos os exemplos, basta prestar atenção para comprovar.
Agora, em ambientes esportivos, a gravata vira coisa estranha. Não combina de jeito nenhum. Mais do que isso, cria um ar de prepotência, arrogância, que não nada tem a ver com uma seleção de futebol de um país tropical, abençoado por Deus, bonito por natureza, com muita alegria, calor e despojamento.
O Mano Menezes que a gente conhece desde antes de sua passagem pelo Corinthians era um sujeito solto, espontâneo, sempre sorridente. O atual é sisudo, custa dar um sorriso, e, o que é o mais grave: engravatado! Tomara que não seja influência do dono da Seleção, o trambiqueiro-mor e presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira.
Se isso tem ou não algo a ver com a eliminação do Brasil na Copa América, é difícil saber. O certo é que Mano mudou. E a nós, agora, resta torcer pela Venezuela, seleção de um país onde nem o presidente da República usa gravata.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Escritório na Papuda

Está aí no blog, mais atr'as,  um artigo que fiz sobre quem está preso no Brasil. A maior parte dos bandidos, em especial do crime organizado, está nas ruas. Mas, alguns que estão presos se dão ao luxo de administrar seus negócios ilícitos a partir de prisões. Vejam este caso, ocorrido há algumas semanas.
Um a migo meu, professor universitário, tem um filho preso no presídio da Papuda, no DF, por porte de drogas. Era primário, mas pegou vários anos de cadeia. O pai vai visitá-lo semanalmente. Outro dia, porém, o pai atrasou, porque, ao chegar ao estacionamento da universidade, tinham roubado seu  carro. Um carro antigo, de estimação. Ao narrar o fato ao filho, ele chamou um outro prediário e narrou o que se passava. O outro apenas pediu o número da placa, cor, modelo do carro e o número do celular do professor. O pai  foi embora sem dar valor ao sucedido. Mas, algumas horas depois, tocou seu celular. A voz de um homem do outro lado disse apenas:
-- Doutor, eu tô ligando só pra avisar que o seu carro tá estacionado no posto (disse o nome e local) e a chave ta' dentro. O senhor desculpe, viu? Tchau.
O que dizer?.....

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ricardo Teixeira, O Rei da Bolada

O presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, está conseguindo ir além do que se previa para seus mandatos de ladroagem. A gangue, chefiada pelo seu sogro, João Havelange, comanda a FIFA há décadas, num suceder de malabarismos, mas agora coloca em risco o próprio futebol.

No livro “Os Descaminhos do Futebol”, publicado há dez anos, eu já contava a história dessa dinastia. Mostrava, inclusive, como o então falido empresário Ricardo Teixeira entrou no mundo do futebol, pelas mãos de seu então sogro, mas eterno aliado, João Havelange, com ajuda de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

Vale aqui, desde logo, um parêntese, para refrescar a memória. Havelange foi atleta de pólo aquático, e até representou o Brasil em competições internacionais, como as Olimpíadas de Melbourne, em 1956.

Mas, desde 1937, mesclava sua atividade esportiva com as de dirigente de entidades esportivas e de empresário. Era dono de loja de armas no Rio de Janeiro, e, também, da empresa de ônibus interestadual Cometa.

Ele se elegeu presidente da antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD) em 1956. A parte de futebol, porém, ficava com o empresário paulista Paulo Machado de Carvalho, que levou o Brasil à vitória na Copa de 1958, foi chamado pela mídia de “Marechal da Vitória” e homenageado pelo presidente Juscelino Kubitschek em monstruosa festa no Pacaembu, em São Paulo. E repetiu o feito no Chile, na Copa de 1962.

Havelange sequer foi às duas copas. Mas, vendo que o futebol era o filé dos cifrões nos desportos, expulsou Paulo Machado e assumiu o setor. No processo da Copa de 66, aprontou mil e umas. Montou um time com 45 jogadores para rodar o mundo e, na competição mesmo, obteve o retumbante fracasso que todos conhecemos e amargamos.

Pelé foi peça chave para eleger Havelange presidente da FIFA, em 1974. Ele ajudou a realizar, aqui, o “mundialito” de 72, uma mini-copa, sem a participação dos europeus.
E rodou o mundo criando entidades esportivas nacionais (as CBFs de países africanos e asiáticos). Assim, granjeou votos para Havelange se eleger, no plano global.

No “mundialito”, a CBD gastou perto de 25 milhões de dólares, vindos dos cofres públicos, o que chegou a irritar até o então presidente, general Ernesto Geisel. Mas ali começou o processo de separação do futebol dos esportes olímpicos, com a criação da CBF e do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), dividindo a CBD.

Mas Havelange não desistiu. Refez relações com Pelé, que estavam abaladas, para colocar seu genro na CBF. A história já estava no livro:

“Ainda em 93, nas eliminatórias da Copa dos EUA, quando  o Brasil ia aos trancos e barrancos, a imprensa assediou Teixeira, antes do jogo contra o Uruguai, no Maracanã. Um repórter perguntou:

-- E se o Brasil for desclassificado?

Teixeira foi curto e grosso:

       -- Pra mim, nada. Vocês é que vão ter problemas, porque não vão ter o que fazer. Eu sou um homem rico.

Diante do dito, o jornalista Armando Nogueira recheou seu texto, sempre brilhante, com uma frase que resumia tudo, e entrou pra história: ‘Sou um homem rico, não. Fiquei rico’.

Ficou rico, rapidinho, na CBF. Foi vapt-vupt.

Pelé contou inúmeras vezes que, quando Havelange lhe procurou para propor o nome de Teixeira para a CBF, seu argumento tinha dois pilares básicos. Um: embora sendo de outro ramo, seu genro tinha boas idéias para o futebol brasileiro. Dois: além disso, enfrentava dificuldades como empresário.

Digamos que Teixeira precisava ganhar a vida num novo território, já que como empresário não estava dando certo. E justo na CBF, onde, por lei, dirigentes não poderiam ser remunerados.

Quatro anos depois, ele mesmo já se dizia um homem rico, que não estava nem aí para os resultados da Seleção.

É bom se antenar para o conceito de “rico” que essa gente tem, que não é pouca brincadeira. Fortuna igual à que Ricardo Teixeira granjeou em menos de uma década, muita gente da elite brasileira só conseguiu depois de quatro ou cinco gerações. É dinheiro fácil, rápido, sem assepsia.

Mas aí entra a sorte – ou um traço da cultura brasileira. Como na política há a máxima “rouba, mas faz”, notabilizada por Adhemar de Barros, quando governador de São Paulo, no futebol os resultados também sublimam os atos de dirigentes corruptos.

Pois foi assim que se safou, à época, Ricardo Teixeira. Pouco tempo depois das denúncias de Pelé, o Brasil ganhou a Copa de 94, e virou tetracampeão. Ninguém mais queria saber de propinas que rolavam soltas na CBF.

Pra quem já nadava de braçadas, a correnteza ficou ainda mais favorável – e a CBF se emporcalhou de vez. Tudo o que se pode imaginar de ruim virou o cotidiano da entidade máxima do futebol brasileiro. Um mal que contaminou federações estaduais e metropolitanas, e clubes.

Um indicativo de que o resultado da Copa de 94 havia aberto de vez as porteiras da prepotência ocorreu logo em seguida. O avião que trouxe a Seleção de volta para o Brasil virou uma nau contrabandista, algo de fazer inveja aos piratas de séculos atrás.

O vôo da direção da CBF e seus convidados, que incluía os jogadores da Seleção, trazia 17 toneladas de carga. No entender dos dirigentes, diante de tanta alegria da conquista, não haveria razão para os fiscais da alfândega empombarem com tão sutil contrabandozinho.

Mas não deu certo. O caso virou escândalo internacional, já que era um prato feito para a imprensa de países que amargavam a derrota na Copa. As conversas ríspidas de Teixeira com funcionários da Receita foram registradas pela TV e indignaram o Brasil inteiro.

Primeiro, ele ameaçou voltar para os EUA com toda a comitiva. Depois, conseguiu que a carga fosse levada a um hotel do Rio de Janeiro. Ali, integrantes da comitiva declararam algumas compras que traziam. Teixeira declarou uma sela de montaria e eletrodomésticos.

Pelo acordo feito com a Receita, a própria CBF fez um inventário dos bens que vinham na carga – e pagou o imposto de tudo, independente de quem fosse. Só que o peso total dos produtos declarados era de pouco mais de mil quilos. As outras 16 toneladas, ninguém sabe, ninguém viu.

Em verdade, porém, pelo menos parte da enorme carga apareceria poucos meses depois, quando foi inaugurada a luxuosa e bem equipada boate-restaurante El Turf, no Rio. Seu proprietário: Ricardo Teixeira.”

O patrimônio de Teixeira, hoje mostrado em algumas redes de TV, é de fazer inveja a qualquer milionário do mundo. Ele faz da CBF uma entidade mais que privada. É particular. Se, há dez anos, atrás estava do jeito aí relatado, hoje é muito pior, mas não há punição, não há nada.

Se a Seleção for bem ou mal na Copa América ou em 2014, na Copa do Mundo, no Brasil, Tanto faz.
Mas é possível moralizar os esportes no Brasil. E isso começa por ações enérgicas contra os mais descarados bandidos do setor, e o primeiro deles é Ricardo Teixeira. Havelange, pelo avançado da idade, pode até morrer em paz.
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JAIME SAUTCHUK - Publicado no Portal Vermelho em 13/07



Curitiba não é mais aquela, mas segue bela

Estive em Curitiba semana passada, para uma atividade do Cebrapaz e da Secretaria de Direitos Humanos. Fazia tempo que eu não passava por lá com algum tempo de folga para rever a bela cidade, onde passei minha adolescência, dos 13 aos 18 anos. A cidade cresceu enormemente. Sua área metropolitana hoje tem mais de 3 milhões de pessoas. O impacto disso é sensível em todos os aspectos da vida, até mesmo no transporte coletivo, área em que a capital paranaense é referência. Mas em outras áreas também. A criminalidade, ali, só perde para o Rio de Janeiro, em número de assassinatos, por exemplo. Mas, de todo jeito, a cidade segue bela e faceira.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Matéria sobre Agente Laranja agita ampresas de agrotóxicos

Quatro empresa estadunidenses produtoras do 2,4D, um dos agentes tóxicos apreendidos pelo Ibama por que eram usados para desfolhar a floresta na Amazônia, reagiram à matéria sobre o Agente Laranja na região. Eles têm uma Força-Tarefa para "esclarecer a opinião pública" sobre seus venenos. Mandaram uma mensagem eletrônica que eu, em nome da democracia nos meios de comunicação, reproduzo abaixo. Junto vai um documento técnico por eles enviados, dependurado no email.
A matéria que gerou a reação continua no blog. Vale ler de novo para tirar conclusões.
 São esses os documentos:


"Caro, Jaime Sautchuk. Tudo bem?

Meu nome é Mariana, sou assessora de imprensa da Força-Tarefa. Li o seu texto “O uso do Agente Laranja na Amazôniapublicado no site www.vermelho.com.br. Gostaria de aproveitar para apresentar um material explicativo sobre o defensivo agrícola 2,4-D, mas antes quero explicar o que é a Força-Tarefa: somos um grupo formado por representantes de quatro empresas – Atanor, Dow AgroSciences, Milenia, Nufarm –  que, apoiado por acadêmicos, tem como objetivo gerar informação técnica sobre tecnologia de aplicação de defensivos agrícolas, além de apoiar projetos que abordem esta questão, como o Projeto Acerte o Alvo – evite a deriva na aplicação de agrotóxicos, realizado no Paraná, e estimular o uso correto de equipamento de proteção individual. Defendemos que o uso correto das tecnologias e a importância de se evitar a deriva são essenciais para garantir a eficácia e a segurança ambiental na utilização de defensivos agrícolas. O 2,4-D é do ponto de vista normativo um produto que obedece às regulamentações atuais ao redor do mundo. Ele tem sido erroneamente associado ao produto utilizado na guerra conhecido como “Agente Laranja”. Apresentamo-nos como fonte de informação e esclarecimento apoiada por estudos acadêmicos que visa desmistificar a utilização do 2,4-D e de outros defensivos agrícolas e instruir o produtor sobre a importância do uso correto de tecnologias que garantem a qualidade da aplicação de agroquímicos.
No anexo, você encontra o material explicativo sobre o 2,4-D.
Agradeço pela atenção e me coloco à disposição para qualquer esclarecimento.

Abraços, "

Este, o documento anexado:

"HERBICIDA 2,4-D E ASPECTOS DE SEGURANÇA À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE

1. Introdução

O 2,4-D, nome simplificado do ácido diclorofenoxiacético, é um dos herbicidas mais comuns e antigos do mundo. Foi desenvolvido na década de 40 como parte do esforço de um grupo de cientistas.

No início de 1941 verificou-se que o 2,4-D tinha potencial para afetar os processos de crescimento em plantas de um modo semelhante aos reguladores de crescimento naturais de planta, razão pela qual o produto foi descrito depois como “hormonal”. O termo hormonal foi posteriormente corrigido para regulador de crescimento, visto que hormônios são substâncias produzidas apenas por animais e não se aplica a plantas.

Após o final da década de 40, vários grupos continuaram a pesquisar o produto e desenvolveram o seu uso como herbicida.

Hoje o 2,4-D e outros produtos da mesma família química, conhecidos como fenoxiacéticos e atualmente classificados como ácido ariloxialcanóico, estão sendo usados mundialmente como uma ferramenta básica na agricultura moderna. A razão para esse sucesso não é só devido à sua grande atividade como herbicida, mas também devido a um dos melhores perfis toxicológicos disponíveis e uma excelente relação custo benefício.

O uso do 2,4-D vem crescendo desde a sua introdução no mercado, no início devido às suas vantagens como um herbicida seletivo de baixo custo e, ultimamente com a adoção do desenvolvimento da prática do plantio direto (que iniciou o conceito de agricultura ambientalmente sustentável) como uma ferramenta insubstituível para controle de plantas daninhas.

Com mais de 60 anos no mercado, o 2,4-D é uma das substâncias químicas mais estudadas no mundo. Para atender atualmente uma regulamentação mais detalhada, mais de 40.000 estudos foram realizados por diferentes instituições de pesquisas acadêmicas e governamentais de diferentes países.

O 2,4-D é sob este ponto de vista normativo, é um produto que apesar de estar há mais de 60 anos no mercado obedece às regulamentações atuais ao redor do mundo.

2. Situação Regulatória

O 2,4-D é uma das substâncias químicas mais estudadas no mundo. Mais de 40.000 estudos foram realizados por diversas instituições de pesquisas acadêmicas e governamentais de países diferentes.

O 2,4-D está registrado em mais de 70 países incluindo: Adria, Algeria, Argentina, Austrália, Belarus, Belize, Bolívia, Brasil, Bulgária, Camerões, Canadá, Chile, China, Colombia, Costa Rica, Costa do Marfim, Croácia, Cuba, Cyprus, Equador, El Salvador, Etiópia, Finlândia, França, French Dom-Tom, Gana, Guatemala, Grécia, Guiana, Honduras, Hungria, Iraque, Itália, Jamaica, Japão, Latvia, Líbia, Lituania, Madagascar, Malásia, Ilhas Mauricius, México, Morrocos, Nova Caledônia, Nova Zelândia, Nicaragua, Panamá, Paraguai, Peru, Filipinas, Polonia, Porto Rico, República Tcheca, República Dominicana, Romênia, Russia, África do Sul, Espanha, Taiwan, Trinindade & Tobago, Turquia, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai, Venezuela, Vietnã, Zambia, etc...

O 2,4-D está incluído no Anexo I da Comunidade Européia em 2001, o que significa que o registro de formulações a base de 2,4-D pode ser solicitado em qualquer país membro da Comunidade Européia. A Comissão Européia através de sua Diretoria Geral de Proteção ao Consumidor e à Saúde concluiu o seguinte na revisão final do 2,4-D:
“’... resíduos provenientes dos usos propostos, consequentes de aplicações consistentes com boas práticas agrícolas, não apresentam efeitos danosos para saúde humana ou animal”
“...nas condições de uso propostas não existem efeitos inaceitáveis ao meio ambiente...”
Não existe evidência de carcinogenicidade para mamíferos.
“... não foi estabelecida associação clara entre câncer e exposição a herbicidas fenoxiacético nos estudos epidemiológicos disponíveis...”

O 2,4-D foi elegível ao re-registro nos Estados Unidos de acordo com a decisão publicada pela Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) no dia 08/08/2005. O documento com a decisão da EPA (RED) conclui que o 2,4-D não apresenta riscos para a saúde humana quando seus usuários seguem as instruções de rótulo do produto.

Em 16 de maio de 2008, a Agência Regulamentadora do Canadá (PMRA), concluiu em suas reavaliações que o 2,4-D atende as rígidas normas de saúde e segurança e como tal pode continuar a ser vendido e utilizado.

O 2,4-D não é proibido em nenhum país e as restrições existentes em alguns países são meramente relativas ao uso agronômico do produto, tal como volatilidade de ésteres de cadeia curta (Exemplo: 2,4-D Éster Butílico) e proximidade à culturas sensíveis tal como algodão. No Brasil somente são comercializadas as formulações amina, as formulações com éster de cadeia curta não são mais comercializadas.

O produto não é volátil sendo improvável que atinja outras lavouras por volatilização, os problemas de fitotoxicidade proporcionado em cuturas sensíveis é causado pela deriva aerotransportada. A solução é melhoria na tecnologia de aplicação.

3. Importância Agronômica

O 2,4-D é um herbicida eficiente para plantas daninhas de difícil controle sendo ferramenta importante para evitar a resistência e de baixo custo quando comparado com outros herbicidas utilizados para o mesmo fim.

Caso o 2,4-D não fosse utilizado no mercado agrícola Brasileiro, provocaria o aumento médio anual nos custo de controle de plantas daninhas na ordem de R$ 827 milhões, que representa cerca de 420% a mais nos gastos com o controle das infestantes.

O 2,4-D é um dos herbicidas mais utilizados no mundo. No ano de 2007 foram utilizadas em toneladas de ingrediente ativo na Argentina 9.500 ton (13,6 MMlts formulado), México, Caribe e Andes 9.200 ton (13,2 MMlts formulado), EUA 30.000 ton (43 MMlts formulado), Brasil 13.000 ton (18.6 MMlts formulado). Mundialmente 100.000 toneladas de ativo ou 140 Milhões de Litros de produto formulado foram utilizados.

4. Aspectos toxicológicos

A toxicidade do 2,4-D tem sido extensivamente analisada. Por ser um produto bastante antigo e ao mesmo tempo muito utilizado, essa molécula tem passado por constantes reavaliações pelos principais Órgãos Normatizadores Mundiais.

No Brasil, a ANVISA, agência responsável por avaliar e classificar toxicologicamente os defensivos agrícolas, está reavaliando o 2,4-D visando responder a possíveis  questionamentos levantados por um projeto de lei federal.

4.1. Avaliação Toxicológica realizada pela Organização Mundial da Saúde (FAO/OMS).

A Organização Mundial da Saúde (OMS), analisou o 2,4-D nos anos de 1970, 1971, 1974, 1975 e mais recentemente em 1996; o Comitê responsável por essas avaliações é aquele que constitui a Reunião Conjunta OMS / FAO para avaliar resíduos de produtos fitossanitários em alimentos e aspectos toxicológicos e que é constituída por cientistas de notório saber da Comunidade Cientifica Internacional. Essa reunião ocorre anualmente na cidade de Roma, Itália.

Nessa reavaliação foram feitas as seguintes conclusões:
a)    Metabolismo e excreção: 2,4-D é um produto rapidamente absorvido, distribuído e excretado após a administração oral; 85 a 94% é excretado não metabolizado pela urina em 48 horas.
b)    Toxicidade aguda: O 2,4-D seus sais de amina e ésteres são levemente tóxicos via oral e dérmica, não provocam irritação dérmica e a formulação amina produz severa irritação ocular.
c)    Toxicidade crônica: Estudos crônicos foram realizados em animais de laboratórios e o NOEL estabelecido foi de 1 mg/ Kg peso corporal/dia (dose que não ocasionou efeitos adversos administrada pelo período de 2 anos)
d)    Carcinogenicidade: Não houve evidência de carcinogenicidade
e)    Mutagenicidade: Estudos in vivo e in vitro demonstraram que o 2,4-D e seus sais aminas e ésteres não são mutagênicos.
f)     Reprodução: Não causa defeitos congênitos e não afeta o processo reprodutivo.

4.2. Avaliação Toxicológica realizada pela Agência de Proteção de Ambiental dos Estados Unidos (EPA)

Por solicitação da EPA foram realizados a partir de 1988 mais de 270 estudos envolvendo vários aspectos (toxicidade, ecotoxicidade, resíduos, físico-químicos), visando a reavaliação de 2,4-D.

Todos os estudos submetidos (realizados em diferentes laboratórios dentro dos Estados Unidos) foram avaliados e aprovados pela EPA.

Apresentamos a seguir um sumário das conclusões da Agência Regulamentadora dos Estados Unidos:

a)    2,4-D tem moderada a baixa toxicidade aguda com DL50 variando de 699 mg / kg p.c. a 896 mg / kg p.c. para a forma éster (Exemplo: DL50 da cafeína é menor e da aspirina é maior).
b)    2,4-D tem baixa toxicidade no processo reprodutivo;
c)    2,4-D não causa defeitos congênitos;
d)    Improvável que 2,4-D cause câncer;
e)    2,4-D tem baixo potencial para causar neurotoxicidade tanto em exposições agudas como a longo prazo;
f)     2,4-D não causa danos genéticos.

5. Comportamento no Ambiente

5.1. Degradação no solo

O 2,4-D que tem contato com a folhagem das plantas é absorvido, degradado e deslocado da superfície foliar. Estudos mostram que apenas em torno de 6% do 2,4-D é deslocado da folha e, chega diretamente ao solo ou é lavado das plantas logo após a aplicação, sendo rapidamente degradado. A degradação microbiana é a mais importante forma de degradação do 2,4-D. Fatores que afetam a degradação microbiana terão impacto na degradação do produto. Lixiviação, absorção, volatilidade, fotólise e hidrólise exercem pequena contribuição na degradação do produto no solo. Outros fatores de degradação são:

a)    Umidade do solo: o nível de umidade exerce o primeiro impacto na velocidade de dissipação do 2,4-D (via atividade microbiana) mas, também tem impacto na quantidade do produto que deve lixiviar. Bons níveis de umidade no solo favorecem maior atividade microbiana e uma degradação mais rápida.
b)    Matéria orgânica do solo: altos níveis de M.O. reduzirão a atividade herbicida do 2,4-D e seus movimentos através do solo de duas maneiras: o 2,4-D é adsorvido na matéria orgânica reduzindo a sua mobilidade no solo e, altos níveis de M.O. proporcionam maior atividade microbiana para degradar o produto na solução do solo.
c)    Textura do solo: desde que o 2,4-D não é muito adsorvido à argila, o seu teor não tem muita influência na degradação. O produto tem um maior potencial de se mover no solo do que os herbicidas que são adsorvidos. Entretanto, o teor de argila pode significar uma importante barreira física no movimento dos herbicidas através do solo, impedindo o fluxo de água.
d)    pH do solo: a atividade microbiana é otimizada em pH entre 6,5 e 8,0. Em pH menor que 6, a atividade microbiana decresce, diminuindo a degradação. O pH encontrado em solos agricultáveis não tem um impacto significativo na atividade microbiana.
e)    Temperatura do solo: temperaturas de 18,3°C a 29,4°C são ótimas para uma rápida degradação microbiana do 2,4-D. Esta atividade cessa abaixo de 10°C e acima de 43,3°C.

5.2. Persistência no solo

A EPA avaliou  78 estudos sobre destino ambiental do produto que confirmaram que o 2,4-D tem uma meia-vida no solo curta. Em 35 estudos nas mais diferentes áreas dos EUA a profundidade máxima onde o produto foi encontrado variou de 15 a 30 cm em solos argilosos e, de 40 a 60 cm em solos com baixo teor de matéria orgânica.

A  meia-vida no solo variou de 6,4 dias em solos leves a 8,3 dias em solos com alto teor de matéria orgânica; como resultado é improvável que o 2,4-D atinja lençóis freáticos.

A meia-vida do produto em águas naturais foi de 2 a 4 semanas embora em áreas onde havia boa concentração de microorganismos, como em áreas de arroz irrigado, a meia-vida foi tão curta como 1 dia. A forma ácida de 2,4-D bem como os grupos amina e éster metabolizam-se para compostos de toxicidade não significativa terminando por formar CO2.

O 2,4-D é considerado um produto biodegradável e sob condições normais, o produto 2,4-D não é persistente no solo, água ou vegetação.

5.3. Comportamento na Água

O uso de 2,4-D no controle de plantas aquáticas é bastante difundido e estudado mundialmente (um dos 6 herbicidas aprovados pela EPA para uso em ambientes aquáticos).
O 2,4-D é degradado principalmente por microorganismos aeróbicos e sob condições anaeróbicas sua degradação é bastante lenta em água e sedimentos. Por isso, as aplicações aquáticas devem ser feitas com bastante critério e rigor.

A Agência de Proteção Ambiental Americana (EPA) considera que a contaminação de águas subterrâneas pelo 2,4-D não é preocupante. Dados laboratoriais demonstram que o 2,4-D, apesar de relativamente móvel no solo, apresenta rápida degradação, o que impede que haja potencial de contaminação de águas subterrâneas. Podem ocorrer fontes de contaminação de águas subterrâneas se o produto for utilizado sem cuidado ou houver deriva não intencional.
O EPA considera que a contaminação de águas superficiais pelo 2,4-D não é preocupante devidos às suas características biológicas e toxicológicas.

6. Esclarecimentos

O 2,4-D tem sido erroneamente associado ao produto utilizado na guerra conhecido como  “Agente Laranja”. O “Agente Laranja” nunca foi usado em agricultura e era uma mistura de 50% de 2,4,5-T Éster + 50% de 2,4-D Éster, utilizado desta forma  na Guerra do Vietnã para desfolhar as florestas locais. Ficou assim conhecido porque a mistura era armazenada em tambores que possuíam uma “faixa laranja” em sua parte externa.

O problema que existia com o “Agente Laranja” naquela época se relacionava à uma impureza presente no processo de produção do  2,4,5-T chamada dioxina (TCDD). O 2,4,5-T não é mais comercializado nos dias de hoje. 

Acreditou-se inicialmente que as dioxinas eram completamente antropogênicas ou artificiais, um subproduto de certos processos de fabricação. As dioxinas são compostos orgânicos aromáticos que aparecem também em alguns processos de combustão que ocorrem na natureza, entre eles vulcões, incêndios florestais e muitos outros processos naturais. São conhecidos cerca de 75 isômeros na família das dioxinas, sendo que a mais tóxica é a 2,3,7,8-TCDD (2,3,7,8 tetracloro-dibenzo-para-dioxina).



Bibliografia Consultada

Adegas, F.S.; Osipe, R. Benefícios Biológicos e Econômicos do Uso dos Herbicidas a Base de 2,4-D no Brasil. 2006.

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Garabrant DH. Philbert MA. Review of 2,4-Dichlorophenoxyacetic Acid (2,4-D) Epidemiologyand Toxicology. CRC Critical Reviews in Toxicology, 32(4):233-257.

Gorzinski,. S.J., Kociba, R.J., Campbell, R.A., Smith, F.A., Nolan, R.J., and Eisenbrandt, D.L. Acute, pharmacokinetic, and subchronic toxicological studies of 2,4-dichlorophenoxyacetic acid. Fund. Appl. Toxicol. 9: 423-435. 1987.

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Kennepohl, E. and Munro, IC Chapter 72 Phenoxy Herbicides (2.4-D). Handbook of Pesticide Toxicology, Vol 2, Chapter 72.6. Agents and Toxic Actions:1623-1638, 2001."


quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Que Cruls Encontrou no DF

        Quando Luiz Cruls e sua equipe chegaram ao Planalto Central brasileiro, os chapadões ali existentes já estavam repletos de trilhas, caminhos e comunidades instaladas. Além dos índios nativos, outros humanos adentraram rumo Oeste desde a chegada dos portugueses, mas em especial a partir de fins do Século 17.
        Há evidências de que o ente humano se infiltrou no cenário do Brasil Central há perto de 12 mil anos. São esqueletos, inscrições rupestres, utensílios e ferramentas localizadas em sítios arqueológicos. Pesquisadores como Altair Sales Barbosa identificam as fases com os nomes dos locais onde foram feitas as descobertas.
 Segundo o historiador Paulo Bertran, essas fases são a Paranaíba, de caçadores que viveram em tempo mais frio e úmido do que o atual; a Serranópolis, que durou até os anos 1000 de nossa era; e a Jataí, do último milênio, em que os indígenas produziam utensílios variados, objetos de cerâmica e já se alimentavam de produtos agrícolas.
O Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, foi assinado em 1494. Seis anos, portanto, antes do Brasil ser encontrado. Mas o texto dividia o mundo para os dois países e valia para áreas “já descobertas ou a descobrir”, de modo que a Portugal caberiam terras a Leste da linha fixada e as a Oeste seriam da Espanha.
Quando Cabral ancorou na costa brasileira, sua equipe não sabia direito onde estava e tinha muito menos idéia da dimensão do território em que acabava de chegar. A linha de Tordesilhas cortava o Brasil de hoje mais ou menos ao meio, com um traço em linha reta de Norte a Sul.
Por coincidência, ao cruzar o Centro-Oeste, essa linha passava 72 quilômetros a Oeste de onde está agora a Praça dos Três Poderes, em Brasília, construída 460 anos depois. O atual Distrito Federal ficaria no Brasil de todo modo, pois.
 A partir de 1530, portanto logo após o descobrimento, os portugueses foram tomando conta do seu pedaço e um bom bocado a mais. Na captura de índios e busca de ouro, prata e diamantes, bandeiras e entradas não tinham limites. O tão cobiçado e sonhado Eldorado poderia muito bem estar por ali.
Diante de escassez de força de trabalho, entre 1600 e 1630, bandeirantes paulistas desceram pesadamente para o Sul, para capturar índios guaranis. Algumas décadas depois, porém, suas atenções se voltaram para o Centro-Oeste, onde havia índios da etnia macro-gê, com língua e cultura diferentes dos habitantes do litoral.
A ordem geral era buscar índio e ouro no “além Tietê”, atingindo o vale do Paraná/Paranaíba e, depois, os do São Francisco, Tocantins e Araguaia. A primeira bandeira a penetrar no território goiano foi a de Domingos Luís Grou, um português que, desde antes do início de sua viagem, era casado com uma índia. Em 1593, ele e seu grupo foram mortos no sertão goiano por índios hostis.

        Foi só no início do Século 18, porém, que o movimento para Oeste ganhou vulto. Em 1722, foi organizada a primeira bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva Filho, conhecido como Anhanguera II, cuja função primordial era a de expandir as fronteiras Oeste do Brasil.
        Ele enfrentou muita dificuldade para chegar à região onde hoje está Brasília, o que ocorreu, em verdade, por erro e teimosia do bandeirante. Do Paranaíba sua tropa deveria seguir a Oeste, mas ele determinou o rumo Norte, indo bater nos chapadões do Planalto Central. E por ali perambulou por quase três anos.
        Foi no vale do rio Paranã, pouco ao Norte do DF, que o bandeirante topou com índios Crixás, que eram acossados por caiapós. Inicialmente, houve conflito, mas Anhanguera II não permitiu a morte de nenhum índio. Era diferente de seu pai (Anhanguera), famoso pelo morticínio que praticou em Minas Gerais e Bahia.
Na segunda expedição, em 1726, Anhanguera II fundou Vila Bela da Santíssima Trindade, no Noroeste do Mato Grosso, e Vila Boa (Cidade de Goiás), em Goiás. E descobriu muito ouro. Suas duas bandeiras atraíram para a região milhares de brancos e escravos negros.
Dez anos depois do surgimento da primeira povoação, as minas de Vila Boa, por exemplo, tinham mais de 10 mil escravos em frenética atividade. Dessa miscigenação surgiu o cerratense, chamado de “população tradicional” pelos estudiosos. Nessa época, nasceram outros centros auríferos, como Pirenópolis, Corumbá e Luziânia.
A necessidade de comunicação com Salvador, então capital do País, fez surgir a Estrada Real, que cortava a área do atual DF. Este era o caminho oficial, onde, em pontos estratégicos, ficavam as contendas (postos fiscais), que faziam a coleta de impostos. Na altura de Planaltina havia uma dessas barreiras.
Mas havia trilhas abertas por contrabandistas, que cortavam serras, vales e chapadas da região, sobre as quais a Corte portuguesa e as autoridades locais nem tinham controle.
A pesquisadora Leonora Barbo crê, com base em relatos de viajantes, que Sobradinho pode ter surgido antes de Planaltina, como paragem. Assim como há relatos de um “cocal” no local onde está Cocalzinho, ao sopé da Serra dos Pirineus.
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JAIME SAUTCHUK - Publicado Em Edição Especial da Revista do Instituto Histórico, em homenagem à Missão Cruls, este mês


quarta-feira, 6 de julho de 2011

Lixos Atômicos

Vacinado pelo acidente do Césio 137, há 23 anos,  Goiás não quer saber do lixo atômico das usinas de Angra dos Reis. Mas, sem querer, levantou com força um debate que é mundial, sobre o que fazer com os materiais radioativos dispensados por usinas energéticas e pelos arsenais dos países que detêm bombas atômicas, em especial Estados Unidos e Rússia.
Abadia de Goiás, localidade a uns 50km de Goiânia, é depositária dos restos do Césio 137. Há, ali, um depósito para este fim, que mereceu, entre outras reações, aquela famosa escultura das cruzes, de Siron Franco. Ademais, por conta disto, virar hospedeira da escória do mundo, é muito outra história.
O caso do Césio de Goiânia é classificado como acidente nível 5, numa escala mundial que vai de 1 a 7. E foi, digamos, um acidente fútil, quase doméstico. O produto radioativo estava em um aparelho de radiologia de um hospital abandonado. Catadores de ferro-velho abriram o tubo e a desgraça estava feita.
Imaginemos, então, outros acidentes de maior porte. O de Three Mile Island, em 1979, nos Estados Unidos, o de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986 e o de Fukushima, outro dia, no Japão. Todos eles em usinas de geração de energia elétrica, mas classificados no nível máximo de gravidade.
Esses todos foram acidentes ocorridos. Mas o depósito Abadia de Goiás foi apontado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, a CNEM, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, como o provável cofre para guardar os restos do urânio relegado pelas usinas de Angra I e II, que não serve mais para gerar energia, mas continua radioativo.
Ou seja, todo material radioativo tem o que a gente pode chamar de prazo de validade. Isto serve tanto para o usado docilmente nas usinas térmicas, como para as ogivas que aguardam genocídios dentro de algum dos 23 mil mísseis que se supõe estejam armados ao redor do mundo.
Esse é um problema da maior gravidade, pois os países que produzem esse lixo ou não sabem onde armazená-lo ou sabem demais. Há sérias suspeitas no meio científico, por exemplo, de que bases militares dos Estados Unidos e de outros países, espalhadas pelo Planeta, acobertem depósitos de lixo atômico.
Onde estarão as ogivas engatilhadas pelos EUA e pela antiga União Soviética nas várias décadas da Guerra Fria? Boa parte daquele arsenal perdeu validade para sua finalidade, mas conterá radioatividade por mais 200 anos. Armazenar isso tudo não é coisa simples.
Para se ter uma idéia, o material que teria sido contaminado pelo Césio em Goiás pesa cerca de 6 mil toneladas. Tem de tudo o que se imaginar, de utensílios domésticos, roupas, brinquedos, bicicletas e até carros.
Essa tralha está guardada em Abadia de Goiás, em 1200 cofres (caixões) de madeira e metal, 2900 tambores de metal e 14 contêiners de metal, do tamanho de vagões de trem. Tudo fechado por grossas paredes de concreto armado, a 30 metros de profundidade.
Se no caso de um aparelho hospitalar o estrago foi desse tamanho, não é preciso relembrar a desgraceira de Chernobyl. Nesses casos, porém, estamos falando em situações em que o material radioativo já vazou. É preciso capturá-lo, não apenas guardá-lo.
No caso do lixo de usinas, com Angra, e de armas, contudo, supõe-se que o material esteja adequadamente acondicionado, já enterrado ou aguardando lugar para ser depositado. Qualquer descuido, porém, poderá provocar vazamento, e pronto.
Evitar ser depositário desse lixo, pois, é o melhor que se faz. É unanimidade em Goiás. Políticos de todos os partidos, empresários, trabalhadores, estudantes, cientistas, todos, enfim, enjeitam a oferta da CNEM.
É como se dissessem: goiano n’é besta não, !

JAIME SAUTCHUK - Publicado no portal Vermelho